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Homem dos Lobos - A análise de Jacques Lacan e Jacques Alain Miller


Dentre os vários casos clínicos estudados por Freud o chamado caso do Homem dos Lobos merece um lugar de destaque. Publicado em 1914 ele traz a marca da genialidade de Freud, primeiro por se debruçar sobre um caso clinicamente confuso e nebuloso e que e marcado por constantes reviravoltas dentro do processo analítico. Segundo porque este caso é para Freud a confirmação da sua teoria da sexualidade infantil que vinha sendo questionada por seus antigos pares. Ainda, é importante dizer que este caso clínico é apreendido sobre o que acontecera ha 15 anos. Isto permite a Freud pensar sobre a necessidade ou não da existência de uma cena originária (temos aqui a possibilidade da fantasia). Temos então Freud tentando demonstrar como uma neurose infantil precede a uma neurose posterior.


O paciente chega com duas queixas principais: a sensação da existência de um véu sobre o mundo, frase que ele repetiu diversas vezes e que inconscientemente marcava sua fixação anal. A segunda queixa refere-se ao fato de que ele não podia suportar uma mulher, ou seja, ele conquistava as mulheres, mas torna-se dependente delas.


Para este trabalho o grande interesse é verificar como é possível, ou mesmo se é possível, o diagnóstico preciso deste caso. Miller chega afirmar que foi um engano de Freud achar que ele daria conta deste caso em quatro anos devido à complexidade que ele apresenta. É importante relembrar que este paciente de Freud chega a ele com o diagnostico de psicose maniaco-depressiva, diagnostico realizado por importantes psiquiatras da época (Kraepelin) dentre eles. Sabe-se que Freud não levou este diagnóstico em consideração e sempre trabalhou este caso como um exemplo de neurose-obsessiva. Pois, lendo este extenso texto observa-se que o caso clinico aponta certas posições do sujeito que permite repensar o diagnóstico. Aqui, segue-se a leitura efetuada por Lacan e posteriormente o curso ministrado por Jacques Alain Miller no final da década de 80.


Um adendo: Freud e extremamente cuidadoso e didático neste caso. Em relação a este aspecto e realmente notável como ele aponta as possíveis incoerências clínicas e teóricas que o caso apresenta e ainda assim ele apresenta soluções. É um esforço que serve como exemplo do grande traço literário de Freud.


Para fins de diagnóstico em Freud deve-se pensar sempre na castração. É a incidência desta que permite falar de uma neurose ou de uma psicose. Caso aconteça o recalque da castração tem-se a neurose, se acontece à recusa (foraclusao) da castração, é a psicose. Inicialmente pode-se afirmar que aí se tem uma relação de exclusão. Acontece que Freud admite a possibilidade de coexistência destes dois mecanismos visto que a nível inconsciente não existe contradição De imediato Freud fala que no caso do Homem dos Lobos o Édipo ocorreu então é um caso de neurose obsessiva. Assim Freud indica a ambivalência específica deste caso: a nível inconsciente ele rejeita a castração e se identifica à mulher e a nível consciente ele recalca a castração tomando uma posição masculina. Em termos lacanianos a nível imaginário existe uma identificação com a mãe (dominante) e no nível simbólico uma identificação ao pai.


É este ponto que chama a atenção de Lacan, ou seja, como e possível uma coexistência da foraclusao e o reconhecimento da realidade da castração? Ainda: há ou não há significação fálica?


Miller afirma que talvez no Homem dos Lobos não ha foraclusão do Nome-do-Pai (termo lacaniano), mas uma dificuldade de assunção da castração. Como exemplo tem-se os chamados borderlines que se sustentam na neurose porque há pai, mas há fenômenos psicóticos devido à ausência da castração-significaçãoo fálica. Tem-se então a chamada clínica diferencial das psicoses.


Pode-se concordar com Miller e afirmar que neste caso a significação fálica, que tem a marca de um déficit, não é algo que este sujeito lida com tranquilidade. É importante marcar que neste caso não existe uma foraclusao do Nome-do-Pai e desta forma questão centra-se na significação fálica. Desta forma o que e insuportável para o sujeito é que o “menos” da castração se aproxime do falo imaginário. Quando isto ocorre, provoca o desencadeamento. Portanto, para Miller, neste sujeito não existe uma significantização fálica e sim uma imaginarização fálica. Quando a ha um ataque à imagem há um desencadeamento.


O sonho dos lobos tem um papel importante e funciona em um mecanismo a posteriori, ou seja, anteriormente o sujeito tem o pensamento da castração, mas não tem a crença nem a angústia. É apenas com o sonho que ele passa a ter convicção da realidade da castração. Desta forma a primeira castração, a da sedução pela irmã é imaginaria, e a castração do sonho é real. Desta forma, o sonho é o disparador da angústia de castração. Miller aponta que anteriormente não existia uma correlação entre o pai e a castração, ou seja, antes esta era oriunda da mulher. O sonho é necessário para que o pai e a castração se conjuguem. Esta angústia decorrente do sonho, decorrente da percepção da angústia da castração acarreta que a única solução que o Homem dos Lobos apresenta é a fobia.


Ainda sobre o sonho, pode-se afirmar que é a libido genital narcísica que realiza o recalque visto que ela não quer que nada seja cortado. Desta forma, de uma maneira paradoxal o Homem dos Lobos repele a identificação com a mãe no plano genital e a aceita no plano anal. Ainda, para Freud acontece um recalque, mas de alguma maneira este sujeito permanece na teoria cloacal. Assim, Freud afirma que um recalque é diferente de uma recusa mas que os dois processos podem coexistir. Miller lê o esquema causal de Freud da seguinte maneira: com o sonho o sujeito adquire a convicção da realidade da castração e esta entra em conflito com a libido genital narcísica. Como efeito tem-se a angústia de castração. Portanto, a convicção da realidade da castração é que permite que o sujeito imagine que ele pode manter-se intacto pela via da identificação com a mulher.


Em relação à passividade do sujeito, que e um traço marcante de sua historia, pode-se dizer que se na cena da sedução pela irmã a passividade se apresentava com um “ser surrado pelo pai” após o sonho ela aparece na forma de um “sofrer a copula pelo pai”.


Miller aponta que não existe, por conta do pai do sujeito, uma promessa, algo simbólico que indique algo do pai. Algo do tipo: “tu serás um homem meu filho”. Quando se fala de metáfora paterna isto aponta para algo que nomeia o real. É importante dizer também que neste momento da analise este paciente era muito rico pois havia recebido a herança do pai que morrera. Logo, o dinheiro tem um aspecto importante da filiação, ou seja, receber algo do pai.


Um ponto que Freud não reconhece como de grande importância é o episódio de alucinação relatado pelo sujeito. O paciente afirmou que este episódio aconteceu por volta dos cinco anos e ele alucinou pensando que cortara um dedo. Para Lacan este episódio é um claro exemplo da foraclusão. Já para Freud este episódio é decorrente da convicção da realidade da castração. Este ponto evidencia como as abordagens podem ser diferentes. Enquanto para Freud este fenômeno é a confirmação do diagnóstico para Lacan ele é o indicativo de um fenômeno psicótico.


Outro indício sobre a questão diagnóstica refere-se à questão do saber sexual pois, pois para o Homem dos Lobos a nível sexual há um problema a ser decidido. Desta forma, este sujeito tem uma existência marcada pela atuação como homem. Porém, inconscientemente, existe uma identificação com a mulher, ou seja, para ele a resposta para a pergunta “o que é uma mulher” é não ser castrada. Isto faz com que ele se fixe a analidade.


Portanto, tem-se um caso clínico com muitas informações, que apresenta um sujeito com uma posição subjetiva ambígua e que permite balançar as estruturas do diagnóstico. O objetivo do trabalho não é dizer se este sujeito é um neurótico-obsessivo como afirmar Freud ou se é o caso de uma psicose. Antes, trata-se de mostrar como é necessário cuidado e escuta para se orientar em um diagnóstico.


Referências bibliográficas:


Freud, S. História de uma Neurose Infantil. In. Obras Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.


Miller, J. A. O homem dos lobos (1ª parte). Opção Lacaniana; Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. Número 56/57. São Paulo: Eolia, 2009


Miller, J. A. O homem dos lobos (2ª parte e final). Opção Lacaniana; Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. Número 59. São Paulo: Eolia, 2009.

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