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De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose - Resumo

O texto “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” foi publicado no ano de 1959, mas foi redigido por Lacan posteriormente a seu Seminário sobre as Psicoses realizado nos anos 1955 e 1956. Percebe-se que é uma época em que o psicanalista se volta para a temática da psicose tentando demonstrar sua especificidade clínica. Dentro deste contexto, “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” é de grande importância no ensino lacaniano, pois é nele que o psicanalista apresenta a Metáfora Paterna como ferramenta fundamental para a questão diagnóstica da psicose. Para tanto o psicanalista francês funda suas bases teóricas na relação estrutural do homem com o significante (Lacan, [1959] 1998). Assim ele busca: “[...] as conexões internas do significante na medida em que estruturam o sujeito [...]” (Lacan, [1959] 1998, p.547). Ainda, sua proposta é um retorno a Freud pois o autor entende que a psicanálise pós-freudiana não foi capaz de dar conta da complexidade da psicose.


Nesta perspectiva Lacan retoma o texto freudiano que já foi mencionado neste trabalho, “Perda da Realidade na neurose e na psicose”, em que Freud já demonstrara, de acordo com Lacan, que o ponto fundamental da psicose não é sequer a perda da realidade e sim o que a substitui. Ainda na esteira de Freud, o psicanalista retorna à importância de Totem e Tabu para a psicanálise já que este texto apresenta o: “[...] mito do assassinato do pai, tornado necessário pela presença constitutiva do complexo de Édipo em toda história pessoal [...]” (Lacan, [1959] 1998, p.550).


O texto “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” traz uma marca do ensino lacaniano: a importância da coletividade para a formação do indivíduo. Esta coletividade Lacan denomina como Outro, e este deve ser entendido como o lugar de onde provêm os significantes que estruturam o sujeito. Especificamente neste texto Lacan conceitua o Outro como o local da memória, o qual Freud chamara de inconsciente e ainda o relacionou a presença de desejos indestrutíveis. Lacan reinterpreta esta indestrutibilidade pela via linguística, em especial pelo uso da cadeia significante (Lacan, [1959] 1998).


A constituição do sujeito depende do Outro, inferindo daí de que o inconsciente é justamente os efeitos das falas oriundas deste lugar. Frequentemente a mãe de uma criança encarna esta posição de Outro, porém para que a criança não fique aprisionada na fantasia materna, ou seja, para a assunção subjetiva da criança, torna-se necessária a entrada em cena do significante fálico, transformando a relação imaginária dual (mãe e criança) em um ternário (Lacan, [1959] 1998). Lacan é literal: “[...] o estudo do sujeito S (neurose ou psicose) depende do que se desenrola no Outro A [...]” (Lacan, [1959] 1998, p.555).


Desta forma Lacan coloca o falo na ordem do necessário, ou seja, a incidência do falo é: “[...] inteiramente condicionado pela intrusão do significante no psiquismo do homem [...]” (Lacan, [1959] 1998, p.561). Como é possível observar, o psicanalista concede um lugar especial ao falo, criticando os pós-freudianos que o reduziram a mero objeto parcial. Para ele, a função imaginária do falo já estava presente em Freud, que:

“[...] a desvelou como pivô do processo simbólico que arremata, em ambos os sexos, o questionamento do sexo pelo complexo de castração [...]” (Lacan, [1959] 1998, p.561).


A grande novidade inserida por Lacan foi pensar o falo enquanto uma função significante e consequentemente atrelá-la a metáfora, trazendo como resultado a chamada Metáfora Paterna. Esta pode ser definida como um procedimento de substituição significante em que justamente esta é a: “[...] metáfora que coloca esse Nome em substituição ao lugar primeiramente simbolizado pela operação da ausência da mãe (Lacan, [1959] 1998, p.563)”.

Este ponto é de fundamental importância já que desta forma o psicanalista refuta qualquer biologismo da paternidade, reduzindo-a uma mera função significante. Afirma Lacan:

[...] a atribuição da procriação ao pai só pode ser efeito de um significante puro, de um reconhecimento, não do pai real, mas daquilo que a religião nos ensinou em invocar como o Nome-do-Pai [...] (Lacan, [1959] 1998, p.562).



Para Lacan esta orientação já está presente no texto freudiano, em especial “Totem e Tabu” em que Freud foi obrigado a: “[...] a ligar o aparecimento do significante do Pai, como autor da Lei, - à morte, ou até mesmo ao assassinato do Pai [...]” (Lacan, [1959] 1998, p.563).


O psicanalista francês é enfático quando declara que é justamente a metáfora paterna que convoca, no imaginário do sujeito, a significação do falo (Lacan, [1959] 1998).


Para exemplificar toda esta formulação teórica, Lacan faz uso de um famoso caso clínico freudiano, o caso Schreber. Lacan critica Freud já que este, ao analisar as palavras utilizadas por Schreber, concentra-se no aspecto etiológico em detrimento das possibilidades homofônicas do significante. Análise equivoca já que segundo Lacan: “[...] o inconsciente preocupa-se mais com o significante que com o significado [...]” (Lacan, [1959] 1998, p.576).


A questão que permeia a interpretação lacaniana é basicamente: como Schreber recompõe sua realidade? Desta forma Lacan afirma que um diagnóstico da psicose não pode ter como parâmetro a uma noção de adequação a esta mesma realidade (Lacan, [1959] 1998). Da mesma maneira não basta fiar-se em noções frouxas tal como a de carência paterna. Para o psicanalista a psicose é uma questão de estrutura:

[...] No ponto em que, veremos de que maneira, é chamado o Nome-do-Pai, pode responder no Outro um puro e simples furo, o qual, pela carência do efeito metafórico, provocará um furo correspondente no lugar da significação fálica (Lacan, [1959] 1998, p.564).


Cabe agora uma explicação da foraclusão (Verwerfung, em alemão), conceito-chave para entender a interpretação lacaniana do caso Schreber. Pois, a nível inconsciente a foraclusão tem um estatuto diferente do recalcado. Afirma Lacan:

Para que a psicose se desencadeie, é preciso que o Nome-do-Pai, verwofen, foracluído, isto é, jamais advindo no lugar do Outro, seja ali invocado em oposição simbólica ao sujeito (Lacan, [1959] 1998, p.584).


Desta forma a foraclusão do Nome-do-Pai é responsável por esburacar o significante e:

É em torno desse buraco em que falta ao sujeito o suporte da cadeia significante, e que não precisa, como se constata, ser inefável para ser pânico, que se trava toda a luta em que o sujeito se reconstrói [...] (Lacan, [1959] 1998, p.570).


Desta forma é justamente a foraclusão do Nome-do-Pai que abre um buraco no significado dando início a uma série de novos ordenamentos significantes, trazendo consequências para o imaginário do sujeito e que só se detém quando significante e significado se estabilizam no delírio psicótico (Lacan, [1959] 1998, p.584).


Portanto, o que Lacan destaca com o Nome-do-Pai é seu caráter de função, ou seja, ela deve ser exercida por alguém que encarne a lei e desta maneira possa intervir, a nível imaginário, na relação dual entre mãe e criança. O que Lacan quer apontar com toda ênfase é a função significante do Nome-do-Pai: “[...] significante que, no Outro como lugar do significante, é o significante do Outro como lugar da lei (Lacan, [1959] 1998, p.590)”. A partir desta perspectiva, é fundamental verificar, na relação entre mãe e pai, a importância que a mãe “[...] dá à palavra dele – digamos com clareza, a sua autoridade – ou, em outras palavras, do lugar que ela reserva ao Nome-do-Pai na promoção da lei (Lacan, [1959] 1998, p.585)”. É importante frisar novamente que Lacan não quer fundar nenhum tipo de naturalismo, ou seja, declarar a importância fundamental dos pais biológicos. Nome-do-Pai é uma função que deve ser encarnada por um Outro, que, ao fazer uso da lei, possa intervir na relação dual entre mãe e criança e desta forma possibilitar o surgimento do sujeito.


A conclusão que se pode tirar deste texto de grande riqueza clínica é que Lacan refuta as posteriores teses que lidavam com a clínica da psicose a partir de um fundacionismo biologista bem daquelas que se apoiavam em noções confusas tais como não adequação a realidade ou carência paterna. Inicialmente a criança está aprisionada a uma relação dual com sua mãe, tornando necessária a interdição de um Outro que, ao exercer lei, ou seja, fazer uso do falo permite que a criança humanize seu desejo e possa se desvincular desta relação. Caso esta convocação do Nome-do-Pai não seja realizada, como diz Lacan, foracluída, isto trará como consequência para o sujeito uma deriva de significantes que só adquire possibilidade de estabilização com o advento do delírio psicótico. Desta forma, como dito anteriormente, para o psicanalista francês a psicose é uma questão de estrutura:

É num acidente desse registro e do que nele se realiza, a saber, a foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metáfora paterna, que apontamos a falha que confere à psicose sua condição essencial, com a estrutura que a separa da neurose (Lacan, [1959] 1998, p.582).


Referências:

LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

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