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Totem e tabu: a origem do Complexo de Édipo

1. Totem e Tabu

1.1 Introdução

Totem e Tabu foi escrito e publicado por Freud entre os anos 1912 e 1913. Neste texto o autor assume a tarefa de, por meio da psicanálise, resolver alguns entraves da psicologia social. Com o decorrer da obra percebe-se que em sua base trata-se também de investigar as origens da religião e da moralidade.


Ainda, Totem e Tabu é um texto fundamental da psicanálise, pois nele Freud tenta demonstrar a origem histórica do complexo de Édipo. Doravante, o psicanalista defenderá a tese de que este complexo é fundamental na formação social, das religiões e até das artes.


Por fim este texto também possui valiosas passagens clínicas, em especial da neurose obsessiva. Isto se dá, pois em todo este ensaio Freud faz uso da analogia entre a psicologia dos povos primitivos e a psicologia dos neuróticos. Tendo percebido semelhanças nestes dois grupos o autor por diversas vezes fará o uso do recurso de buscar em sua experiência clínica a explicação do funcionamento mental dos povos primitivos.


A chave de leitura de Totem e Tabu é ambivalência emocional. É por meio deste conceito que Freud explicará o funcionamento psíquico tanto dos povos primitivos quanto nas neuroses obsessivas bem como a origem do complexo de Édipo.


1.2 A proibição do incesto


Partindo do fato da existência de regras contra o incesto em todas as tribos mencionadas pela literatura estudada, Freud afirma que é justamente devido à relação desta proibição universal com o totem que funda as relações sociais. Assim Freud define o totem:



[...] Via de regra é um animal (comível e inofensivo, ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural (como a chuva ou a água), que mantêm relação peculiar com todo o clã. (FREUD, [1912-13]1996, p.22)



Portanto é a partir da relação com o totem que um clã se identificava, se organizava e se diferenciava de outro clã. Freud percebe então uma conexão necessária entre totemismo e exogamia já que era observável uma “[...] proibição de relações sexuais entre membros do mesmo clã [...]” (FREUD, [1912-13]1996, p. 27). Cria-se então um verdadeiro sistema totêmico, que nada mais era que o fundamento que garantia as obrigações sociais bem como as restrições morais da tribo. (FREUD, [1912-13]1996).


Fazendo uso da ferramenta da analogia com a psicologia das neuroses, afirma Freud que o horror ao incesto é uma característica infantil. Sustenta também que o horror ao incesto é de suma importância na formação das neuroses. Apesar de não citar nominalmente, Freud já evidencia a relevância do complexo de Édipo na formação dos sintomas:



[...] Chegamos ao ponto de considerar a relação de uma criança com os pais, dominada como é por desejos incestuosos, como o complexo nuclear das neuroses. Esta revelação da importância do incesto na neurose é naturalmente recebida com ceticismo geral pelos adultos e pelas pessoas normais [...] (FREUD, [1912-13]1996, p.35).



1.3 A existência do tabu



Tendo já demonstrado a importância do totem como elemento garantidor das relações sociais de um grupo bem como o organizador de suas proibições, Freud questiona-se a respeito do tabu. O mestre de Viena afirma que tabu é um termo polinésio e que indica algo inabordável (Freud, [1912-13]1996). Basicamente pode-se afirmar que o tabu é uma interdição que funciona para todo o clã. Especificamente o tabu diferencia-se de outras proibições, pois este é tido como algo inerente pelos membros do clã. Ainda, um tabu se expressa por restrições.


Um ponto que intriga Freud é justamente a existência da transmissibilidade do tabu, ou seja, como é possível que um tabu possa ser transmitido de geração a geração dentro de um clã? Para explicar esta questão o psicanalista segue a seguinte lógica: se o tabu persiste isto implica necessariamente que o desejo de realizar a coisa proibida continua, ou seja, o tabu é ao mesmo tempo medo e desejo, em um claro exemplo de ambivalência emocional:



Mas uma coisa certamente decorreria da persistência do tabu, a saber, que o desejo original de fazer a coisa proibida deve persistir ainda entre as tribos em causa. Elas devem, portanto, ter uma atitude ambivalente para com seus tabus. Em seu inconsciente não existe nada que mais gostassem de fazer do que violá-los, mas temem fazê-lo; temem precisamente porque gostariam, e o medo é mais forte que o desejo. O desejo está, inconscientemente embora, em cada membro individual da tribo, do mesmo modo que está nos neuróticos (FREUD, [1912-13]1996, p.48-49).



Seguindo esta linha de raciocínio Freud afirma que as duas mais importantes proibições ligadas ao tabu também são leis básicas do totemismo: não matar o animal totêmico e não ter relações com os membros do clã totêmico do sexo oposto. Infere-se daí que estes devem ser os mais antigos desejos humanos, pois “[...] a base do tabu é uma ação proibida, para cuja realização existe forte inclinação do inconsciente [...]” (FREUD, [1912-13]1996, p.49).


Como dito anteriormente Freud faz uso da ambivalência emocional para explicar a existência e persistência de um tabu dentro de um clã. A ambiguidade seria quando, em relação a um mesmo objeto, o sujeito possuísse dois sentimentos supostamente conflitantes:



[...] Em quase todos os casos em que existe uma intensa ligação emocional com uma pessoa em particular, descobrimos que por trás do terno amor há uma hostilidade oculta no inconsciente. Este é o exemplo clássico, o protótipo, da ambivalência das emoções humanas [...]. (FREUD, [1912-13]1996, p.74)



A partir disto Freud propõe uma nova definição do tabu em que este passa a ser definido como sintoma da ambivalência emocional e resultado de um acordo entre impulsos conflitantes. Freud chega a afirmar que até a consciência se origina de uma ambivalência emocional: “A consciência é a percepção interna da rejeição de um determinado desejo a influir dentro de nós [...]” (FREUD, [1912-13]1996, p.80).


Por fim, seguindo a lógica exposta por Freud pode-se inferir que onde há proibição deve existir necessariamente um desejo inconsciente subjacente. Ainda, é importante frisar que para o autor nos processos de ambivalência emocional a corrente positiva do desejo é sempre inconsciente. A diferença entre neurose e um tabu, portanto, é apenas porque um tabu é uma construção social (instituição) (FREUD, [1912-13]1996).



1.4 O retorno do totemismo na infância



O quarto capítulo de Totem e Tabu é intitulado “O retorno do Totemismo na infância”. Nele Freud define o totemismo como um sistema que ocupa o lugar de religião em algumas regiões do mundo e também é responsável pela organização social. Desta forma o totemismo é tanto uma religião quanto um sistema social. Freud defende aqui mais uma tese, a relação entre totemismo e exogamia tem uma causa: o horror ao incesto. Ainda, a exogamia tem sua origem na época totêmica.


Apesar da afirmação do autor resta ainda a questão de saber a origem da exogamia (e da proibição do incesto) e sua relação com o totemismo. Freud então apresenta diversos argumentos de outros autores sobre a origem do totemismo que podem ser divididas em dois grupos: um que compreende as teses da existência de relação necessária entre totemismo e exogamia e outro grupo que nega a existência desta relação.


Não satisfeito com nenhuma destas explicações Freud decide apresentar sua própria tese sobre a origem do totemismo. É importante demarcar que o psicanalista refuta categoricamente a noção de que o horror ao incesto seja algo inato. Para construção de sua tese, Freud busca em Darwin a noção da horda primeira:



[...] Deduziu ele dos hábitos dos símios superiores, que também o homem vivia originalmente em grupos ou hordas relativamente pequenos, dentro dos quais o ciúme do macho mais velho e mais forte impedia a promiscuidade sexual [...] (FREUD, [1912-13]1996, p.131).



Aliado a este conceito, Freud busca em outro autor, Robertson Smith, a noção de refeição totêmica e infere daí que esta fazia parte da religião do totem. Desta forma as características desta refeição totêmica seriam a matança sacramental e a ingestão do objeto totêmico.


Reunindo então os conceitos de horda primeira e o de refeição totêmica Freud defende a tese de que existiu um momento primeiro em que existia um macho mais velho, o pai, que era mais forte que os outros machos e devido a isto detentor de todas as fêmeas do clã. Consequentemente todos os outros machos foram expulsos do clã. É importante frisar que este pai era fonte de sentimentos ambivalentes visto que era fonte de ciúme bem como de admiração. Porém este último componente afetivo pertencia a corrente inconsciente da ambiguidade. Como individualmente nenhum dos irmãos era mais forte que o pai aqueles se reúnem e decidem matar o pai, colocando fim a horda patriarcal e incorporando-o ao comer suas partes.


Porém Freud afirma que o ato não foi completamente satisfeito, pois os filhos não puderam ocupar o lugar do pai já que devido ao sentimento ambivalente em relação a este os filhos ficaram culpados pelo ato. Assim se a existência de sentimentos ambivalentes em relação ao pai culmina no sentimento de culpa Freud relaciona o Complexo de Édipo a este ato primordial:



[...] Anularam o próprio ato proibindo a morte do totem, o substituto do pai; e renunciaram aos seus frutos abrindo mão da reivindicação às mulheres que agora tinham sido libertadas. Criaram assim, do sentimento de culpa filial, os dois tabus fundamentais do totemismo que, por sua própria razão, corresponderam inevitavelmente aos dois desejos reprimidos do complexo de Édipo. Quem quer que infringisse esses tabus tornava-se culpado dos dois únicos crimes pelos quais a sociedade primitiva se interessava (FREUD, [1912-13]1996, p.147).



Para o autor o sistema totêmico já é produto das condições do Complexo de Édipo. Ainda, o sistema totêmico passa a ser entendido como uma espécie de pacto com o pai. Por fim, Freud faz uso da noção de ambiguidade emocional para inferir que na verdade o animal totêmico é um substituto do pai:



[...] A atitude emocional ambivalente, que até hoje caracteriza o complexo-pai em nossos filhos e com tanta frequência persiste na vida adulta, parece estender-se ao animal totêmico em sua capacidade de substituto do pai [...] (FREUD, [1912-13]1996, p.145).



Desta maneira Freud conclui sua obra convergindo o começo da religião, da moral, da sociedade e da arte para o complexo de Édipo, que passa a ser entendido com o “[...] núcleo de todas as neuroses [...]” (FREUD, [1912-13]1996, p.158).



Referências bibliográficas


FREUD, S. Totem& Tabu (1913[1912-13]). In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira, Vol. XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

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