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A Escola Paradoxal

Em um primeiro momento de investigação neste cartel verifiquei de que maneira os impasses de Freud diziam respeito a sua questão com sua própria análise e como o dispositivo do passe, inventado por Lacan, respondia a esta suposta aporia.

Posteriormente um ponto que surgiu como questão ao longo do estudo do cartel foi justamente pensar qual é a função da Escola no fim de uma análise. De imediato sabemos que ela tem uma função simbólica ao conferir uma nova nomeação: Analista da Escola (AE), porém além dessa dimensão como podemos pensar o aspecto transferencial, por exemplo?

Ao longo dos textos observamos Miller (2018) tentar nomear o que seria um analista. A título de exemplo, cito-o: “[...] A manifestação residual da análise é o analista. Sair de análise implica tentar deixar para trás essa manifestação residual. O analista, no entanto, é uma manifestação residual muito resistente [...]” (MILLER, 2018, p.43).

Como citado acima, dentro do contexto do passe enquanto travessia da fantasia Miller afirma que o analista é uma manifestação residual muito resistente e que finalizar uma análise implica abandonar esta manifestação residual. Porém, mesmo que Miller use da ironia para “definir” o analista ele aponta em diversos textos que não existe um ser do analista e é justamente aí que podemos pensar em uma Escola Paradoxal visto que a Escola é seletiva, ou seja, ela faz uma seleção para definir os AE, por exemplo, mas ela não é segregativa uma vez que ela não é regida pelo lógica do “todos”, regime esse que é o regime da segregação por excelência. Se utilizamos ovelhas para exemplificar a lógica do todo, podemos dizer que todas as ovelhas são brancas. Porém Miller (2018) pontua que a sendo a lógica do passe a lógica do não-todo (visto que possui relação com o infinito) só podemos dizer que não todas as ovelhas são negras. Desta forma, a Escola faz uma seleção, mas uma seleção que sempre permite a entrada de uma ovelha negra:

[...] É que cada analista esconde algo de negro e os mais honestos sejam aqueles que se mostram negros. Em consequência, a ideia de segregação não é um princípio da Escola, embora esta seja seletiva. A seleção que ela pratica obedece a uma lógica que sempre possibilita à ovelha negra se reintroduzir [...] (MILLER, 2018, p.51)

Desta forma, dentro da lógica do não todo, podemos apenas verificar o predicado: um analista, só podemos nomear um a um.

Já quando pensamos a doutrina do passe como identificação ao sinthoma, Miller (2018) apresenta os conceitos de inconsciente real e inconsciente transferencial e tenta articulá-lo ao passe. Miller (2018) afirma que o que enlaça o inconsciente transferencial e o inconsciente real e que ao fazer isto produz um sentido é justamente esse dispositivo, que deve se orientar do inconsciente transferencial para o inconsciente real. Porém, e aqui Lacan coloca um ponto fundamental, trata-se justamente de pensar a relação do passe com a causa analítica. Temos aqui o surgimento de uma nova transferência, uma transferência com a própria análise. Este é o contexto do passe bis. Ou seja, no curso de uma análise fazemos o movimento do inconsciente transferencial para o inconsciente real. Porém com o passe bis temos justamente um “contramovimento”: do inconsciente real ao inconsciente transferencial em que a transferência já não se dirige a um outro e sim para sua própria análise, caracterizando o que Miller chama de avesso do passe.

Desta maneira Miller (2018) é enfatico ao dizer que o que pode conferir qualidade a um psicanalista é justamente sua própria análise:

[...] Você só se durará como psicanalista se, para além do seu encontro com seu psicanalista, permanecer psicanalisante em sua relação com o sujeito suposto saber, uma vez que seu inconsciente não se anula por você ter recebido um título . Ele continua sempre ali, e impõe-se a você o dever de continuar a decifrá-lo, a lê-lo, a viver e a pensar com ele. [...] (MILLER, 2018, p.82)

Assim sendo, tentando enlaçar a função da Escola dentro deste dispositivo trata-se não “apenas” de uma nomeação e sim da Escola fazendo uma mediação e sendo o suporte dessa nova transferência. E Miller(2018) pontua que é fundamental que a Escola saiba acolher esta transferência para que a mesma não se dirigia para outro fim, tal como a sociedade, por exemplo:

[...] A mediação que se propõe é a Escola. Ao menos, é isso o que lhe propõem, quando o nomeiam Analista da Escola. Não se poderia ser analista sem ser analisante. E não se poderia ser analisante sem a transferência. Nomeá-lo Analista da Escola é propor-lhe a Escola como suporte da transferência [...] (MILLER, 2018, p.83)

A Escola é então o destino da transferência que se liquidou na análise com um analista. Chama a atenção agora não apenas a função de nomeação e função de suporte da transferência e sim a própria nomeação: Analista da Escola, ou seja, não é um certificado de experiência profissional ou algo do tipo que frequentemente a sociedade, muitas vezes encarnada pelo Estado tenta exigir.

Se a luz da travessia da fantasia Miller (2018) fala do psicanalista como um resíduo muito resistente, à luz do passe enquanto identificação ao sinthoma ele convoca a pensar o psicanalista como uma próton pseudos: “[...] O próton pseudos é o próprio analista, isto é, a inserção de outro sujeito na relação que cada um de nós mantém com o inconsciente real [...]” (MILLER, 2018, p.112).

Seja enquanto manifestação residual, como próton pseudos, ou como a ovelha que carrega sempre algo de negro, evidencia-se a função fundamental da Escola em ser suporte transferencial destes sujeitos sem predicados comuns.

Referências bibliográficas:

MILLER, J.A. Aposta no passe: seguido de 15 testemunhos de Analistas da Escola, membros da Escola Brasileira de Psicanálise. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2018.


1 Membros do Cartel: Alberto Murta (Mais-Um); Renato Vieira; Lucas Fraga Gomes; Elisa Martins Oliveira

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