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Afinal, o que é pulsão?

Introdução


O texto freudiano Três ensaios para a teoria da sexualidade, auxilia na compreensão do conceito, bem como sua importância.

Este texto não se refere ao desejo, mas sim a pulsão, ou seja, à necessidade de satisfação, que mesmo um bebê irá apresentar.

A pulsão é fundamental para o desenvolvimento do sujeito, e Freud (1905, p.211), demonstra isso ao falar sobre a sedução dos cuidados maternos:


"A mãe provavelmente se horrorizaria se lhe fosse esclarecido que, com todas as suas expressões de ternura, ela está despertando a pulsão sexual de seu filho e preparando a intensidade posterior desta. Ela considera seu procedimento como um amor ‘puro’, assexual, já que evita cuidadosamente levar aos genitais da criança mais excitações que as inevitáveis no cuidado com o corpo. Mas a pulsão sexual, como bem sabemos, não é despertada apenas pela excitação da zona genital; aquilo a que chamamos ternura um dia exercerá seus efeitos, infalivelmente, também sobre as zonas genitais. Aliás, se a mãe compreendesse melhor a suma importância das pulsões para a vida anímica como um todo, para todas as realizações éticas e psíquicas, ela se pouparia das auto recriminações mesmo depois desse esclarecimento. Quando ensina seu filho a amar, está apenas cumprindo sua tarefa; afinal, ele deve transformar-se num ser humano capaz, dotado de uma vigorosa necessidade sexual, e que possa realizar em sua vida tudo aquilo a que os seres humanos são impelidos pela pulsão. É verdade que o excesso de ternura por parte dos pais torna-se pernicioso, na medida em que acelera a maturidade sexual e também, ‘mimando’ a criança, torna-a incapaz de renunciar temporariamente ao amor em épocas posteriores da vida, ou de contentar com menor dose deste.”


Ao cuidar do seu filho, a mãe está despertando a pulsão sexual, mesmo que ela tenha todo o cuidado, e evite ter contato, além do necessário para os cuidados da criança. A pulsão não tem sua origem apenas na zona genital, ela não se refere ao ato sexual em si ou a uma necessidade de reprodução. A origem da pulsão ocorre nas zonas erógenas, que podem ser qualquer parte do corpo. Por esse motivo, Freud aponta a importância da ternura e do cuidado que a mãe desempenha com seu filho, para todo o desenvolvimento da vida desta criança, incluindo as realizações éticas e psíquicas. O que acontece nesses primeiros anos de vida é fundamental para o que irá ocorrer na fase adulta. Com seus cuidados, e com o despertar da pulsão, a mãe ensina também seu filho a amar, e ele irá buscar realizar isso com outras pessoas.

Se por um lado a falta de carinho ou cuidado terá efeitos futuros vida desta criança, por outro lado, o excesso também é perigoso, uma vez que pode acelerar a maturidade sexual, ou ainda, tornar a criança incapaz de lidar com as frustrações posteriores, tendo dificuldade de abrir mão deste excesso de amor.

Com este texto, Freud ainda caminha para uma concepção de infância que rompe com a ideia de uma inocência infantil. Mesmo as crianças querem obter satisfação de alguma forma, e é também por essa via que ele pensa a sexualidade. O conceito de sexualidade é, então, ampliado e vai além da concepção de reprodução.


Nesse sentido, “[...] é perversa toda conduta sexual que não conduza à reprodução". (GARCIA-ROZA, 2004 p.97)


Portanto, para Freud todos os indivíduos são perversos polimorfos, no sentido que buscam satisfação de diversas formas, o fundamental aqui é o prazer, a satisfação, e não a reprodução. Ele considera que toda pessoa sadia, acrescenta algo de perverso ao objeto sexual.

Até mesmo a criança possui um impulso sexual. Inicialmente a criança tem uma satisfação autoerótica, ou seja, a pulsão sexual encontra satisfação sem recorrer a um objeto externo. Como exemplo, um bebê ao chorar porque sua chupeta caiu, com a demora da mãe, descobre a própria mão e começa a chupar o dedo. Por essa situação a criança obtém uma satisfação e se acalma durante a ausência da mãe.

A pulsão sexual, desta forma é entendida como um desvio do instinto. A boca, que teria uma função biológica na alimentação, se torna uma fonte de prazer, na medida em que a criança está apenas sugando o dedo para obter satisfação, ou mesmo chupando uma chupeta.

Como dito anteriormente, a pulsão tem origem nas zonas erógenas, ou seja, são as regiões do corpo consideradas por Freud como as fontes das pulsões parciais. As pulsões parciais começam a funcionar no período do autoerotismo, e ao se organizarem constituem a pulsão sexual.


Fases de organização da libido

  1. Fase oral: Acontece entre o nascimento e aproximadamente dois anos de vida. Nesta fase, a boca é a fonte de prazer, seja sugando, mordendo ou engolindo. A criança é totalmente dependente de quem cuida dela, e vê o mundo a partir daí. O objeto de satisfação se relaciona à alimentação e o alvo é a incorporação. Pessoas fixadas nesta fase tendem a preocupar-se muito com o comer, beber, fumar, beijar. Se foram excessivamente saciados na infância tendem a querer manter isso na idade adulta. Pessoas fixadas nesta fase podem ser pessimistas, hostis, agressivas, contestadoras.

  2. Fase Anal: Acontece entre os dois e os quatro anos da criança, tal momento aparece junto com as demandas sociais dos hábitos de higiene, o momento do desfralde. Os pais tentam regular o prazer infantil, já que para Freud (1905), defecar oferece prazer erótico à criança e ir ao banheiro seria adiar esse prazer. A criança pode começar a fazer na roupa para afrontar ou desafiar os pais, o que pode gerar uma personalidade anal agressiva, através de comportamentos hostis e sádicos, ou, ainda, pode reter as fezes, encontrar satisfação e passa a manipular os pais, que geralmente ficam bem angustiados com esta situação. Um adulto fixado nesta fase pode ser teimoso, mesquinho, ter manias de reter ou juntar as coisas, Freud, chega a fazer uma equivalência entre a relação que a pessoa estabelece com as fezes e com o dinheiro. A fixação pode ainda se manifestar por meio de uma rigidez ou por uma compulsão por limpeza. A defecação está ligada a valores simbólicos de dom e de recusa.

  3. Fase fálica: Por volta dos 4 a 5 anos, o prazer volta-se para os genitais. As crianças passam a ter mais interesse em explorar e manipular os genitais, surge também a curiosidade de saber mais sobre eles, juntamente com as fantasias sobre o nascimento, de onde vem os bebês, porque os meninos têm pênis e as meninas não. De um lado existe o impulso que visa a satisfação, de outro lado, as demandas sociais que tentarão barrar e impedir esse excesso pulsional. É esse o momento em que surge e declina o complexo de édipo.Freud reconhece a existência desde a infância de uma organização da sexualidade muito próxima da do adulto, contudo, ainda não aconteceu a maturidade sexual. Além disso, ele considera que é durante a adolescência que toma forma uma posição masculina ou feminina. Aqui o que aparece é uma polarização entre o fálico e o castrado.

  4. Período de latência: Ocorre aproximadamente entre os seis anos e a puberdade. Nesta fase a pulsão sexual fica adormecida e voltada para outras atividades, como por exemplo, a escola, esportes ou amizades. Por conta disso, ocorre um declínio da sexualidade infantil, juntamente com o aparecimento de pudor, repugnância, vergonha, intensificados por aspectos morais e estéticos.

  5. 5. Fase genital: Esta fase se inicia na puberdade, nela o adolescente tem que adaptar a sua pulsão sexual às exigências sociais e aos tabus. Agora o desenvolvimento da sexualidade começa a tomar a forma adulta, e as pulsões, até então autoeróticas, passam a encontrar um objeto sexual. O que irá acontecer na vida adulta é determinado pelos conflitos e acontecimentos da infância, e como cada um se virou com eles.

Pulsão (Trieb)

É importante diferenciar a pulsão (Trieb) do instinto (Instinkt), este é hereditário e idêntico a todos da mesma espécie, possui um objeto específico.

A pulsão não implica um comportamento pré-formado ou um objeto específico, ela é uma força motivadora que impulsiona o comportamento, é uma força (carga energética) que tende o organismo para um alvo, atingir este algo significaria alcançar a satisfação, e desta forma, o organismo reduziria a tensão, ou o desprazer.

A pulsão não surge do mundo exterior, mas de dentro do próprio organismo, também por isso, não há como fugir dela. Ela tem origem em fontes de estimulação dentro do organismo, e aparece como uma força constante.

O homem não consegue ter acesso a pulsão em si, pois ela não pode se tornar objeto da consciência, não é possível ter acesso a ela como um todo. Mesmo no inconsciente ela é sempre representada por uma ideia ou um afeto.

Para entender melhor o conceito da pulsão, é importante ter claro algumas de suas características: fonte, pressão, objeto e objetivo.

Por Fonte (Quelle), já nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud já indicava as zonas erógenas, ou seja, as excitações mecânicas, a atividade muscular, os processos afetivos e até a atenção em uma tarefa intelectual. Ela é corporal, diz Freud (1915, p,128): "Por fonte [Quelle] de uma pulsão entendemos o processo somático que ocorre num órgão ou parte do corpo, e cujo estímulo é representado na vida mental pela pulsão".

Portanto, a fonte deve ser entendida tanto como o órgão de onde provém a excitação como do processo físico - químico que constitui essa excitação.

Garcia-Roza (2004, p. 120), acrescenta que tendo a pulsão surgido a partir do apoio em relação às pulsões de autoconservação, pode tomar o instinto como fonte da pulsão. "A pulsão de fato se apoia no instinto, mas não se reduz a ele".

Com relação à Pressão (Drang), " [...]a compreendemos seu fator motor, a quantidade de força ou a medida da exigência de trabalho que ela representa. A característica de exercer pressão é comum a todas as pulsões; é, de fato, sua própria essência". (FREUD, 1915, p.127)

Ou seja, a pressão é a própria atividade da pulsão, seu fator dinâmico, isto marca seu caráter ativo. A pressão é o que impele o organismo para a ação específica responsável por eliminar a tensão. É o movimento.

Quanto ao Objetivo (Ziel), Freud é categórico em afirmar que será sempre a satisfação.

"O objetivo [Ziel] de uma pulsão é sempre satisfação, que só pode ser obtida eliminando-se o estado de estimulação na fonte da pulsão". (FREUD, 1915, p.128)

Dessa forma, a satisfação ocorre pela descarga de energia acumulada, e para conseguir isto, diferentes caminhos poderão levar à mesma finalidade. O objetivo da pulsão de autoconservação seria uma "ação específica", ou seja, aquilo que elimina a tensão ligada ao estado de necessidade, como por exemplo, beber água diante da sede. O objetivo da pulsão sexual é menos específico e sustentado por fantasias.

Para chegar ao objetivo, a pulsão irá se utilizar de objetos. Portanto, o Objeto (Objekt) de uma pulsão será algo muito variável. Pode ser uma pessoa, parte do corpo de alguém, um objeto real ou fantasmático, ele não é específico.

"O objeto [Objekt] de uma pulsão é a coisa em relação à qual ou através da qual a pulsão é capaz de atingir sua finalidade. É o que há de mais variável numa pulsão e, originalmente, não está ligado a ela, só lhe sendo destinado por ser peculiarmente adequado a tornar possível a satisfação". (FREUD, 1915, p.128)

Primeira tópica:

Inicialmente Freud dividiu as pulsões em duas: Pulsões de autoconservação (pulsões do eu) e pulsões sexuais.

As pulsões de autoconservação se relacionam ao conjunto de necessidades ligadas às funções corporais essenciais à conservação da vida. Ex.: Nutrição, defecção, atividade muscular, visão. Elas só se satisfazem com um objeto real, obedecendo assim o princípio de realidade.[1]

As pulsões sexuais se relacionam a pressão interna que atua num campo maior do que das atividades sexuais. O objeto não é biologicamente determinado, as modalidades de satisfação são variáveis, ligadas ao funcionamento das zonas erógenas (áreas corporais suscetíveis de satisfação). Não é unificada, possui pulsões parciais ligadas ao prazer do órgão. O recalcamento ocorre principalmente sobre a pulsão sexual. Podem se satisfazer com objetos fantasmáticos e obedecem ao princípio do prazer.

Segunda tópica:

Em 1920, Freud escreve o texto Além do princípio do prazer e inaugura sua segunda tópica. Neste texto ele se questiona por que acontece a repetição de situações traumáticas, por exemplo, em sonhos, se tal situação causa desprazer.

Ele percebe que as crianças têm a tendência a repetir o que seria situações desagradáveis, como por exemplo na brincadeira Fort-da (brincadeira de desaparecimento e retorno, em que a criança joga o carretel, e depois a puxa de volta, simulando assim a ausência e o retorno da mãe). Para Freud, com a compulsão a repetição não é possível notar satisfação, mas neste caso em especial, a satisfação existiria na medida em que a criança assume uma posição de controle da situação, ela se “vingaria” da mãe que a “abandonou” ao jogar o carretel longe, assumindo assim uma posição ativa na brincadeira. Portanto, esta situação estaria obedecendo o princípio do prazer, pela tentativa de superar e dominar o desprazer.

"Chegamos agora a um fato novo e digno de nota, a saber, que a compulsão à repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos pulsionais que desde então foram recalcados" (FREUD, 1920, p.34)

A partir dessa compulsão à repetição, que ele percebe, então a repetição por parte do paciente de uma experiência traumática, ele irá definir a pulsão de uma maneira diferente.

O dualismo agora se transforma em pulsão de vida de um lado, englobando aqui a pulsão de autoconservação e a pulsão sexual, e do outro lado, a pulsão de morte.

Pulsão de vida (Eros) 1920 = tendem para conservar as unidades vitais existentes e para constituir a partir destas, unidades mais englobantes, ou seja, procura manter a unidade do organismo e sua existência. Dessa forma ela garante que a morte ocorra de uma forma natural.

"Assim, enquanto pulsão de autoconservação, a pulsão de vida é a manutenção do caminho para a morte, mas enquanto pulsão sexual ela garante, por meio do sêmen germinativo, a imortalidade do ser vivo. É o Eros se contrapondo a Thánatos e garantindo o dualismo tão caro a Freud". (GARCIA-ROZA, 2004 p. 137)

Em contrapartida, Freud percebe ainda, que todo ser vivo tem uma tendência para a morte.

Pulsão de morte (1920) = o alvo é a destruição do objeto, a reduzir toda a tensão, reconduzindo o ser vivo ao estado inorgânico. Inicialmente voltadas para o interior, podendo ser também dirigidas para o exterior como pulsão agressiva ou destrutiva. Situações em que a pessoa que coloca no limiar da vida, apontam muitas vezes para presença forte da pulsão de morte. Por exemplo: pessoas que gostam de andar em alta velocidade após utilizarem bebida alcóolica, pessoas que praticam esportes radicais.


[1] O princípio de realidade funciona evitando a frustração, impedindo a alucinação ou permitindo-a dentro de alguns limites. Seu predomínio sobre o princípio do prazer é ilusório, mesmo quando renuncia ao prazer, está a serviço deste. "Na realidade, a substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade não implica a deposição daquele, mas apenas sua proteção. Um prazer momentâneo, incerto quanto a seus resultados, é abandonado, mas apenas a fim de ganhar, mais tarde, ao longo do novo caminho, um prazer mais seguro. (FREUD, ESB, v.XII, p.283)




Referências

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Rio de Janeiro: Imago, 2006. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. VII.

FREUD, S. Os instintos e suas vicissitudes (1915). Rio de Janeiro: Imago, 2006. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, volXIV.

FREUD, S. Além do princípio do prazer (1920). Rio de Janeiro: Imago, 2006. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XVIII.

GARCIA-ROZA, L.A. Freud e o inconsciente. 20.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.


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