Não existe seguro do amor
Freud afirma que não existe representação inconsciente da morte, ou seja, existe algo de traumático que faz furo a qualquer tentativa de simbolização. Tese atestada na vida cotidiana e nos consultórios, ou seja, podemos fazer todos os rituais fúnebres, podemos ser religiosos, podemos não ser religiosos, mas quando a morte se impõe, ela nos angústia, nos infamiliariza. Na clínica, escutamos isso com a famosa política do avestruz: “prefiro nem pensar na morte, pois só de pensar já fico agoniado”. É por essa razão que uma das primeiras concepções de Lacan sobre o fim de uma análise envolveria a subjetivação da morte, e, ainda que ele tenha mudado de opinião sobre o tema do término da análise, podemos dizer que sempre que um analisante começa a falar sobre a morte, ou do medo dela, existe algo de importante acontecendo em análise. Um pouco nesse sentido, no Aturdito, Lacan retoma a frase lógica “todo homem é mortal” e a articula ao “conceito” de "seguro de vida", mostrando como a morte se faz presente no laço social. Ele exemplifica: no discurso científico, a morte é reduzida a um cálculo de probabilidades: “se você fumar, você tem “x” probabilidade de desenvolver a doença “y”. No discurso universitário, a produção acadêmica pode ser entendida como uma tentativa de ser lembrado de forma eterna. E aqui ele pontua o amor como algo disruptivo, e que é impossível fazer um "seguro do amor", visto que, nesse campo, você sempre já entra perdendo. O único “amor seguro” seria aquele fundado na reciprocidade imaginária do narcisismo, o que garantiria a outra face do amor, o ódio. Um amor “digno do nome”, seria aquele em que não podemos fazer seguros ou contratos. E não é isso que vemos na clínica? Os amantes que testemunham o jogo angustiante da pergunta "será que ela me ama da mesma forma que eu a amo"? Os obsessivos que escolhem a solidão, ao perceberem o jogo sem garantias do amor? Como muito bem disse Pierre Naveau, o amor tem algo do contingente que se escreve. Mas, para se escrever, precisamos apostar. Vai jogar?
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